3 novembre 2018

Afrodite - José Saramago

Francois-Boucher-Triumph-of-Venus
Afrodite - José Saramago

Ao princípio é nada. Um sopro apenas
Um arrepio de escamas, o perpassar da sombra
Como nuvem marinha que se esgarça
Nos radiais tentáculos da medusa.
Não se dirá que o mar se comoveu
E que a onda vai formar-se deste frémito.
No embalo do mar oscilam peixes
E os braços das algas, serpentinos,
A corrente a dobram, como ao vento
As searas da terra, as crinas dos cavalos.
Entre dois infinitos de azul avança a onda,
Toda de sol coberta, rebrilhando
Líquido corpo, instável, de água cega.
De longe acorre o vento, transportando
O pólen das flores e os mais perfumes
Da terra confrontada, escura e verde.
Trovejando, a vaga rola, e fecundada
Se lança para o vento á sua espera
No leito de rochas negras que se encrespam
De agudas unhas e vidas fervilhantes.
Ainda alto as águas se suspendem
No instante final a gestação sem par.
E quando, num rapto da vida que começa,
A onda se despedaça no rochedo,
O envolve, cinge, aperta e por elle escorre
- Da espuma branca, do sol, do vento que soprou,
Dos peixes, das flores e do seu pólen,
Das algas trémulas, do trigo, dos braços da medusa,
Das crinas dos cavalos, do mar, da vida toda,
Afrodite nascen, nasce o teu corpo.

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